quarta-feira, 30 de abril de 2008

O Macaco Que Queria Ser Um Escritor Satírico - Augusto Monterroso

Na Selva viveu uma vez um Macaco que queria ser um escritor satírico.

Estudou muito, mas rapidamente percebeu que para ser um escritor satírico lhe faltava conhecer os outros e aplicou-se a visitá-los todos e a ir aos cocktails e a observá-los pelo canto do olho en­quanto estavam distraídos com um copo na mão.

Como era muito divertido e as suas ágeis pirue­tas entretinham os outros animais, era bem re­cebido em qualquer parte e aperfeiçoou a arte de ser ainda melhor recebido.

Não havia quem não ficasse fascinado com a sua conversa e quando chegava era recebido com júbilo tanto pelas Macacas como pelos esposos das Macacas e pelos outros habitantes da Selva, perante os quais, por contrários que lhe fossem em política internacional, nacional ou domésti­ca, se mostrava invariavelmente compreensivo; sempre, claro, com vontade de investigar a fun­do a natureza humana para poder retratá-la nas suas sátiras.

Chegou assim o momento em que de entre os animais era ele o maior conhecedor da natureza humana, sem que nada lhe escapasse.

Então, um dia disse a si próprio “vou escrever contra os ladrões”, e concentrou-se na Pêga, e começou a fazê-lo com entusiasmo e gozava e ria e trepava de prazer às árvores por causa das coisas que lhe ocorriam acerca da Pêga; mas de repente lembrou-se de que entre os animais de sociedade que o recebiam havia muitas Pêgas e especialmente uma, e que se iam ver retratadas na sua sátira, por suave que a escrevesse, e desis­tiu de o fazer.

Depois quis escrever sobre os oportunistas, e ficou com a Serpente debaixo de olho, a qual, por diversos meios que resultavam da sua arte adulatória, lograva sempre conservar, ou substi­tuir, melhorando-os, os seus cargos; mas várias Serpentes suas amigas, e especialmente uma, sentir-se-iam atingidas, e desistiu de o fazer.

Depois desejou satirizar os trabalhadores com­pulsivos e deteve-se na Abelha, que trabalhava estupidamente sem saber para quê nem para quem; mas por medo que os seus amigos des­te género, e especialmente um, se ofendessem, acabou por compará-la favoravelmente à Cigar­ra, que, egoísta, não fazia senão cantar e can­tar, dando-se ares de poeta, e desistiu de o fazer.

Depois ocorreu-lhe escrever contra a promiscui­dade sexual e dirigiu a sua sátira contra as Gali­nhas adúlteras que andavam todo o dia inquie­tas em busca de jovens Galos; mas tantas destas já o tinham recebido que temeu ofendê-las, e desistiu de o fazer.

Finalmente, elaborou uma lista completa das debilidades e defeitos humanos e não encon­trou contra quem dirigir as suas baterias, pois todos estavam nos amigos que partilhavam a sua mesa e em si próprio.

Nesse momento renunciou a ser escritor satírico e começou a dar-lhe para a Mística e o Amor e essas coisas; mas por causa disso, já se sabe como são as pessoas, todos disseram que tinha ficado louco e já não o recebiam tão bem nem com tanto gosto.

MONTERROSO, Augusto. A ovelha negra e outras fábulas, trad. Ana Bela Almeida, Coimbra: Angelus Novus, pp. 15-17, 2008.

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