domingo, 29 de agosto de 2010

A BALANÇA E A ESPADA - FABIO KONDER COMPARATO

Tradicionalmente, a deusa greco-romana da justiça é representada pela figura de uma mulher, portando em uma mão a balança e na outra a espada. A simbologia é clara: nos processos judiciais, o órgão julgador deve sopesar criteriosamente as razões das partes em litígio antes de proferir a sentença, a qual se impõe a todos, se necessário pelo uso da força.
Entre nós, porém, a realidade judiciária não corresponde a esse modelo consa-grado. Aqui, nas causas que envolvem relações de poder, com raríssimas exceções, os juizes prejulgam os litígios antes de apurar o peso respectivo dos argumentos contradi-toriamente apresentados; e assim procedem, frequentemente, sob a pressão, explícita ou mal disfarçada, dos que detêm o poder político ou econômico. A verdade incômoda é que, entre nós, a balança da Justiça está amiúde a serviço da espada, e esta é empunhada por personagens que não revestem a toga judiciária.
O julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 153, concluido pelo Supremo Tribunal Federal em 30 de abril de 2010, constitui um dos me-lhores exemplos dessa triste realidade.

O fundamentos da petição inicial

Na peça inicial da demanda, a Ordem dos Advogados do Brasil pediu ao tribunal que interpretasse os dispositivos da Lei nº 6.683, de 1979, à luz dos preceitos fundamentais da Constituição Federal. Arguiu que a expressão “crimes conexos”, acoplada à de “crimes políticos”, não podia aplicar-se aos delitos comuns praticados por agentes públicos e seus cúmplices, contra os opositores ao regime militar. E isto, pela boa e simples razão de que a conexão criminal pressupõe uma comunhão de objetivos ou propósitos entre os autores das diversas práticas delituosas, e que ninguém em sã consciência poderia sustentar que os agentes, militares e civis, que defendiam o regime político então em vigor, atuassem em harmonia com os que o combatiam.
Arguiu, demais disso, que ainda que se admitisse ser a conexão criminal cabível entre pessoas que agiram umas contra as outras – o que é simples regra de competência no processo penal, e não uma norma de direito penal substancial (Código de Processo Penal, art. 76, I, in fine) –, essa hipótese seria de todo excluida no caso, pois os autores de crimes políticos, durante o regime militar, agiram contra a ordem política e não pes-soalmente contra os agentes públicos que os torturaram e mataram.
Arguiu, finalmente, a OAB que, mesmo que dita lei fosse interpretada como havendo anistiado os torturadores de presos políticos durante aquele período, ela teria sido revogada, de pleno direito, com o advento da Constituição Federal de 1988, cujo art. 5º, inciso XLIII, considerou expressamente a tortura um crime inafiançável e insus-cetível de graça e anistia.

As razões do acórdão

A essas razões de pedir, a maioria vencedora no tribunal respondeu de duas maneiras.
O relator invocou a noção germânica de “lei-provimento” (Massnahmegesetz), pretextando que a anistia teria surtido efeitos imediatos e irreversíveis. Das duas, uma: ou aquele julgador desconhece o sentido do conceito técnico por ele invocado; ou tem perfeita ciência do que significa a expressão, e resolveu utilizá-la unicamente para impressionar a platéia.
Há muito a ciência jurídica estabeleceu a distinção entre lei e provimento administrativo (em alemão, Verwaltungsmassnahme); a primeira geral e abstrata, o se-gundo concreto e específico. Foi com base nessa distinção tradicional que Ernst Fortshoff, após a Segunda Guerra Mundial, impressionado pelo crescimento do poder normativo das autoridades governamentais, máxime na implementação do Plano Marshall de reconstrução da Europa, passou a denominar Massnahmegesetze normas com forma de lei, mas de conteúdo idêntico ao de provimentos administrativos. Por exemplo, a lei que determina a construção de uma barragem, ou que fixa um termo final para os trabalhos de modernização de ferrovias.
O deprimente em toda essa estória é que o Ministro relator, ao mesmo tempo em que, na esteira da Procuradoria-Geral da República, considerou enfaticamente que a anistia dos crimes cometidos pelos agentes públicos contra oponentes políticos fora um “acordo histórico”, sustentou que ele nada mais seria, afinal, do que um simples provimento administrativo.
De qualquer modo, pretender que a Lei nº 6.683 teve efeitos imediatos e irreversíveis constitui grosseiro sofisma, por dois singelos motivos. Em primeiro lugar, porque a premissa maior do silogismo já é a sua conclusão (vício lógico denominado petição de princípio); ou seja, a possibilidade de se reconhecer a conexão criminal entre delitos praticados com objetivos ou propósitos contraditórios. Em segundo lugar, porque, ao assim se exprimir, o magistrado demonstrou ignorar o fato óbvio de que os alegados efeitos imediatos de uma lei de anistia não podem estender-se a crimes continuados (como o de ocultação de cadáver), cujos autores permanecem no anonimato.
A segunda via de refutação das razões apresentadas na petição inicial foi também trilhada pelo relator, neste ponto pressurosamente acompanhado pela ministra que o sucedeu na ordem de votação. Entendeu, assim, o relator de desconsiderar o teor literal do pedido formulado na petição inicial, para sustentar que a demanda não objetivava uma interpretação da Lei nº 6.683, mas sim a sua revisão; o que só o Poder Legislativo tem competência para fazer.
É fartamente conhecida a distinção, de que o relator do acórdão usa e abusa, entre norma e texto normativo. Como o hábito do cachimbo deixa a boca torta, Sua Excelência resolveu aplicar o discrime à própria petição inicial da demanda. A arguente, afirmou ele, posto haver pedido literalmente ao Tribunal que interpretasse a Lei nº 6.683, de 1979, à luz dos preceitos fundamentais Constituição Federal de 1988, objetivou, na verdade, alcançar com a demanda uma alteração legislativa substancial. Que se saiba, em nenhum país do mundo incluiu-se na competência jurisdicional a faculdade de psicanalisar as partes demandantes, a fim de descobrir, por trás de suas declarações em juizo, intenções recalcadas no subconsciente. Teríamos admitido isso entre nós por meio de alguma Massnahmegesetz secreta?
O realmente curioso é que nenhum dos julgadores tenha se lembrado de que, quase um ano antes, dia por dia, ou seja, em 29 de abril de 2009, o mesmo tribunal decidira que a Constituição Federal havia revogado de pleno direito a lei de imprensa de 1967, promulgada doze anos antes da lei de anistia. Nesse outro julgado, o Supremo Tribunal Federal declarou interpretar a lei à luz dos preceitos fundamentais da Constituição Federal. Dois pesos e duas medidas para a mesma balança?
Tudo isso, sem falarmos no fato – gravíssimo – de que a decisão proferida pela nossa mais alta Corte de Justiça, ao julgar a ADPF nº 153, violou abertamente preceitos fundamentais do direito internacional.
Ressalte-se, em primeiro lugar, que o assassínio, a tortura e o estupro de presos, quando praticados sistematicamente por agentes estatais contra oponentes políticos, são considerados, desde o término da Segunda Guerra Mundial, crimes contra a humanidade; o que significa que o legislador nacional é incompetente para determinar, em relação a eles, quer a anistia, quer a prescrição.
Com efeito, o Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, de 1945, definiu como crimes contra a humanidade, em seu art. 6, alínea c, os seguintes atos: “o assassínio, o extermínio, a redução à condição de escravo, a deportação e todo ato desumano, cometido contra a população civil antes ou depois da guerra, bem como as perseguições por motivos políticos e religiosos, quando tais atos ou perseguições, constituindo ou não uma violação do direito in-terno do país em que foram perpetrados, tenham sido cometidos em conse-quência de todo e qualquer crime sujeito à competência do tribunal, ou conexo com esse crime.”
Essa definição foi depois reproduzida no Estatuto do Tribunal Militar de Tóquio de 1946, que julgou os criminosos de guerra japoneses.
Em 3 de fevereiro e 11 de dezembro de 1946, a Assembléia Geral das Nações Unidas, pelas Resoluções nº 3 e 95 (I), confirmou “os princípios de direito internacional reconhecidos pelo Estatuto do Tribunal de Nuremberg e pelo acórdão desse tribunal”.
Em 26 de novembro de 1968, a Assembléia Geral das Nações Unidas, pela Re-solução nº 2.391 (XXIII), aprovou o texto de uma Convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade, ainda que tais delitos não sejam tipificados pelas leis internas dos Estados onde foram perpetrados.
O Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998, por sua vez, definiu, em seu art. 7º, dez tipos de crimes contra a humanidade, e acrescentou ao elenco uma modalidade genérica: “outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”. Estabeleceu como condição de punibilidade que tais atos criminosos sejam cometidos “no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque”; o que bem corresponde ao regime político repressivo vigente entre nós entre 1964 e 1985.
Desse conjunto normativo decorre a definição de crime contra a humanidade como o ato delituoso em que à vítima é negada a condição de ser humano. Nesse sentido, com efeito, indiretamente ofendida pelo crime é toda a humanidade. Eis porque, como dito acima, ao legislador nacional carece toda competência para regular, nessa matéria, a anistia ou a prescrição.
Repita-se que a Assembléia Geral das Nações Unidas, nas duas citadas Resoluções de 1946, considerou que a conceituação tipológica dos crimes contra a humanidade representa um princípio de direito internacional.
Ora, os princípios, como assinalado pela doutrina contemporânea, situam-se no mais elevado grau do sistema normativo. Eles podem, por isso mesmo, deixar de ser expressos em textos de direito positivo, como as Constituições, as leis ou os tratados internacionais. Quem ignora, afinal, que o primeiro princípio historicamente afirmado do direito constitucional, a saber, a competência do Judiciário para declarar a inconstitucionalidade de leis e outros atos normativos, foi consagrado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em Marbury v. Madison (1803), não obstante o completo silêncio a esse respeito da Constituição norte-americana?
A razão desse regime jurídico diverso é que a fonte dos princípios, sobretudo em matéria de direitos humanos, não reside na lei positiva ou na convenção internacional, mas na consciência ética da humanidade. É por isso que a Constituição Federal de 1988 reconheceu que os direitos e garantias nela expressos “não excluem outros, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados” (art. 5º, 2º).
No plano do direito internacional, por fim, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, em seu art. 53, veio dar à noção de princípio geral de direito, sob a denominação de norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens), uma noção precisa, que se aplica cabalmente à repressão dos crimes contra a humanidade: É nulo o tratado que, no momento de sua conclusão, conflita com uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por nova norma de direito internacional geral da mesma natureza.
Não foi apenas essa, porém, a violação praticada pelo Supremo Tribunal Federal contra os preceitos fundamentais de direitos humanos, reconhecidos internacionalmente.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em reiteradas decisões, já fixou jurisprudência no sentido da nulidade absoluta das leis de auto-anistia. Será preciso lembrar, nesta altura da evolução jurídica, que em um Estado de Direito os governantes não podem isentar-se, a si próprios e a seus colaboradores, de responsabilidade alguma por delitos que tenham praticado?
Pois bem, diante da invocação desse princípio irrefutável, o Ministro relator e outro Ministro que o acompanhou afirmaram que a Lei nº 6.683, de 1979, não se inclui nessa proibição categórica, pois ela teria configurado uma anistia bilateral de governantes e governados. Ou seja, segundo essa preciosa interpretação, torturadores e torturados, em uma espécie de contrato de intercâmbio (do ut des), teriam resolvido anistiar-se reciprocamente…
Na verdade, essas surpreendentes declarações de voto casaram-se com a principal razão apresentada, não só pelo grupo vencedor, mas também pela Procuradoria-Geral da República, para considerar legítima e honesta a anistia de assassinos, torturadores e estupradores de oponentes políticos durante o regime militar: ela teria sido fruto de um “histórico” acordo político.
Frise-se, desde logo, a repugnante imoralidade de um pacto dessa natureza: o respeito mais elementar à dignidade humana impede que a impunidade dos autores de crimes hediondos ou contra a humanidade seja objeto de negociação pelos próprios interessados. O relator, citando Hartmann (evidentemente em alemão), não encontrou melhor argumento para responder a essa objeção do que afirmar que a propositura da demanda representara a ocorrência de uma “tirania dos valores”! É de se perguntar se Sua Excelência julga a ela preferível o deboche ético e institucional do regime político da época.
Seja como for, o propalado “acordo histórico” de anistia dos crimes atrozes praticados pelos agentes da repressão não passou de uma rasteira conciliação oligárquica, na linha de nossa mais longeva tradição. Senão, vejamos.
Qualquer pacto ou acordo supõe a existência de partes legitimadas a conclui-lo. Se havia à época, de um lado, chefes militares detentores do poder supremo, quem estaria do outro lado? Certamente não a oposição parlamentar, pois o projeto de lei de anis-tia foi aprovado na Câmara dos Deputados (onde não havia parlamentares “biônicos”, como no Senado) por apenas 5 (cinco) votos: 206 a 201. Pergunta-se: as vítimas ainda vivas e os familiares de mortos pela repressão militar foram, porventura, chamados a negociar esse acordo? O povo brasileiro, como titular da soberania, foi convocado a referendá-lo?
O mais escandaloso de toda essa farsa de acordo político é que, após a promulgação da Lei nº 6.683, em 28 de agosto de 1979, os militares continuaram a desenvolver impunemente sua atividade terrorista. Em 1980, registraram-se no país 23 (vinte e três) atentados a bomba, entre os quais o que vitimou, na sede do Conselho Federal da OAB, a secretária da presidência, Dª Lyda Monteiro da Silva. Em 1981, houve mais 10 (dez) atentados, notadamente o do Riocentro, cujos responsáveis, ambos oficiais do Exército, foram considerados, no inquérito policial militar aberto em consequência, vítimas e não autores! E – pasme o leitor – tal inquérito foi arquivado pela Justiça Militar com fundamento na própria Lei nº 6.683, cujo art. 1º fixou, como termo final do lapso temporal da anistia, a data de 15 de agosto de 1979.
Tais fatos estarrecedores assinalam mais uma escandalosa contradição na leitura feita pelo tribunal dessa mesma lei.
É que o § 2º do seu art. 1º excetuou “dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”. Ou seja, na interpretação do Supremo Tribunal Federal, o terrorismo, o sequestro e o atentado pessoal são ações criminosas, tão-só quando praticadas por adversários do regime militar, não quando cometidos pelos agentes públicos da repressão. E não se venha justificar essa afirmação escandalosa, com o argumento literal de que nenhum destes últimos foi condenado por tais crimes, pois durante todo o regime inaugurado pelo golpe de Estado de 1964, todos, absolutamente todos os governantes e seus sequazes, tanto civis quanto militares, gozaram da mais completa irresponsabilidade. Eles pairavam acima das leis e das “constituições”, que eles próprios redigiam e promulgavam.
Em suma, como salientou Napoleão – não o grande general francês, mas o ditador suino de Animal Farm, de George Orwell –, em nosso querido país “todos são iguais perante a lei; alguns, porém, são mais iguais do que os outros”.

Lições de um triste veredicto.

Em matéria de regimes políticos, é preciso separar o substantivo do adjetivo. A oligarquia e a democracia pertencem à primeira categoria, o Estado de Direito à segunda.
Em certa passagem de seu tratado sobre a política (1298 a, 1-4), Aristóteles ob-serva que toda politéia, ou seja, aquilo que poderíamos denominar Constituição substancial, deve regular três questões fundamentais: 1) quem é titular do poder supremo (kýrion), com competência para deliberar sobre o bem comum de todos (peri tôn koinôn): 2) quem pode exercer a função de governante (arkhôn) e qual a sua competência; 3) quem deve assumir o poder de julgar (ti to dikázon).
Dessas três questões fundamentais destacadas pelo filósofo, as duas primeiras pertencem ao plano substantivo, a última ao adjetivo. Com efeito, qualquer que seja o regime político – que se define justamente pela titularidade da soberania e a forma de governo –, pode ou não haver a submissão do soberano e dos governantes à ordem jurídica. Hoje, é comum presumir-se que toda democracia é um Estado de Direito. Esquecemo-nos, ao assim pensar, que a democracia ateniense, não raras vezes, descambou para a “okhlocracia” (de okhlos, ralé, populacho), onde a maioria pobre, logo após a tomada do poder, não hesitava em exilar, confiscar e, no limite, exterminar a minoria rica.
Ora, a função constitucional do Judiciário, desde sempre, consiste em ser ele o garante máximo da submissão de todos os titulares de poder – inclusive o próprio soberano! – ao império do Direito. Por isso mesmo, juizes e tribunais, segundo a boa concepção da república romana, não têm propriamente poder (potestas, imperium). Montesquieu, no famoso capítulo 6 do livro XI de O Espírito das Leis, após descrever a arquitetura constitucional tripartida da Inglaterra, anotou: “des trois puissances dont nous avons parlé, celle de juger est en quelque façon nulle”.
Faltou, porém, dizer que se o Judiciário não tem propriamente poder – no sentido de dispor legitimamente de força própria –, ele deve possuir aquela qualidade política eminente, que os romanos denominavam auctoritas; vale dizer, o prestígio moral que dignifica uma pessoa ou uma instituição, suscitando a confiança e o respeito no seio do povo.
Sucede que neste “florão da América” o Judiciário nunca gozou da confiança popular. Em 2007, uma pesquisa de opinião pública realizada por CNT/Sensus sobre o grau de confiança das diferentes instituições, públicas ou privadas, em nosso país, revelou que apenas 9,5% dos entrevistados confiavam na Justiça. Juizes e tribunais só estavam acima dos governos (5%), da polícia (3,4%) e do Congresso Nacional (1,1%). Naquele mesmo ano, a Associação de Magistrados Brasileiros divulgou outra pesquisa, realizada segundo critérios diversos pela Opinião Consultoria. De acordo com esse último levantamento de opinião pública, o Poder Judiciário gozaria da confiança de menos da metade da população brasileira, ou, mais exatamente, 41,8%.
Ora, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o âmbito dos efeitos da lei de anistia de 1979, além de em nada contribuir para minorar essa desconfiança popular nos órgãos da Justiça, representou certamente um golpe profundo no grau de credibilidade do Judiciário brasileiro no plano internacional, em matéria de direitos humanos.
Com efeito, de todos os paises sul-americanos, o Brasil é hoje o único que se recusa a levantar a total impunidade de governantes e seus subordinados, pelos crimes violentos praticados durante o período de regime político autoritário. Em estudo recente, Anthony W. Pereira mostrou como essa situação escandalosa, quando comparada com as severas condenações judiciais sofridas na Argentina e no Chile pelos governantes – inclusive ex-chefes de Estado! –, durante o regime de exceção, tem sua causa na infamante colaboração que entre nós se estabeleceu, no mesmo período, entre a magistratura e os chefes militares. Naqueles paises, a Justiça foi posta de lado pelos militares em sua ação repressiva. Aqui, a competência da Justiça Militar foi ampliada, para abarcar os crimes contra a ordem pública e a segurança nacional, ainda que cometidos por civis. Suspenderam-se o habeas-corpus e as garantias da magistratura, e três Ministros do Supremo Tribunal Federal foram afastados pelo então chefe de Estado. Mas o Judiciário continuou a funcionar como se nada tivesse acontecido. Estávamos numa “democracia à brasileira”, como disse o general que prendeu o grande advogado Sobral Pinto. Ao que este retrucou dizendo que só conhecia “peru à brasileira”.
Para que possamos, portanto, instaurar neste país um verdadeiro Estado de Direito, impõe-se realizar, o quanto antes, uma reforma em profundidade do Poder Judiciário.
Ela deve centrar-se na garantia de completa independência de juizes e tribunais em relação aos demais órgãos do Estado, combinada com a instituição de eficientes controles da atuação do Judiciário, em todos os níveis.
O costume institucional brasileiro, oriundo de uma longa tradição portuguesa, mantém a Justiça sob a influência avassaladora dos governantes. Não foi, pois, surpreendente verificar que, no caso objeto destes comentários, a espada militar interferiu despudoradamente no funcionamento da balança judicial.
Importa, pois, antes de tudo, libertar o Judiciário – e da mesma forma o Ministério Público – da velha hegemonia que sobre eles sempre exerceu o mal chamado Poder Executivo.
É indispensável e urgente eliminar o poder atribuido aos chefes de governo de nomear os integrantes da magistratura nos tribunais. O que se tem visto ultimamente, sobretudo no preenchimento de vagas no Supremo Tribunal Federal, é um prélio acirrado entre dezenas de candidatos à nomeação, disputando as boas graças do chefe do Executivo, sendo certo que a aprovação das indicações presidenciais pelo Senado Federal é mera formalidade. Nessa peleja pessoal, o que menos conta são os princípios éticopolíticos. O principal trunfo de cada candidato consiste em “ser amigo do rei”, ou pelo menos contar com o apoio direto de um dos próximos de sua majestade. Escusa dizer que os assim nomeados ficam sempre submetidos ao poder dominante daquele, graças ao qual passaram a ocupar o alto posto judiciário.
Ainda no campo da necessária independência do Poder Judiciário, impõe-se a eliminação, o quanto antes, da Justiça Militar, em razão de seu caráter essencialmente corporativo. Aliás, durante todo o longo período autoritário, como frisou o autor acima referido, a Justiça castrense colaborou fielmente com os responsáveis pela política de terrorismo de Estado.
Outra nefasta tradição brasileira é a irresponsabilidade de fato dos magistrados. Até a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, os únicos controles de iure, sobre eles existentes, eram exercidos no campo penal dentro do próprio Poder Judiciário, por iniciativa do Ministério Público; e em matéria financeira, pelos Tribunais de Contas. Mas tais controles sempre tiveram uma eficácia muito reduzida.
A referida emenda constitucional, ao criar o Conselho Nacional de Justiça, foi um primeiro passo no sentido de se instaurar um regime de efetiva responsabilização dos magistrados. É preciso agora avançar nesse rumo, por meio de várias providências, a saber: 1) tornar o Conselho um órgão efetivamente externo ao Poder Judiciário; 2) submeter à necessária fiscalização do órgão o próprio Supremo Tribunal Federal, que permanece ainda imune a todo controle; 3) dar ao Conselho poderes de punição severa e exemplar dos magistrados que delinquem (recentemente, como se recorda, um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, julgado responsável pela venda de decisões, foi simplesmente aposentado com vencimentos integrais); 4) desdobrar o Conselho em órgãos regionais, de modo a dar-lhe maior capacidade de atuação local.
Tudo isso diz respeito ao controle por assim dizer horizontal. Importa, porém, instituir também uma fiscalização vertical, fazendo com que o próprio povo participe da função de vigilância da atuação do Poder Judiciário. Sem isto, com efeito, a soberania popular tende a ser, nesse particular como em vários outros setores, meramente retórica.
A Constituição do Império de 1824 tinha, a esse respeito, uma disposição avançada, não reproduzida por nenhuma das Cartas Políticas subsequentes. Dispunha o seu art. 157 que “por suborno, peita, peculato e concussão, haverá contra eles (Juizes de Direito) ação popular, que poderá ser intentada dentro de ano e dia pelo próprio queixoso, ou por qualquer do Povo, guardada a ordem do Processo estabelecida em Lei”. Não se tem notícia do uso efetivo dessa ação popular, mas é inegável que, pelo simples fato de existir, era ela, em si mesma, um instrumento de real pedagogia política. Convém, pois, recriá-la, aperfeiçoando os seus contornos.
Além disso, seria de grande importância instituir ouvidorias populares dos órgãos da Justiça, em todos os níveis, com competência para exigir explicações oficiais sobre a atuação administrativa dos magistrados. O Judiciário tem sido tradicionalmente, aos olhos do povo, o mais hermético de todos os Poderes do Estado. É inútil procurar reduzir a desconfiança dos jurisdicionados em relação aos juizes, se entre uns e outros continuarmos a manter uma linha divisória intransponível.
Toda essa reforma institucional, no entanto, será vã, caso não logremos mudar a mentalidade de nossos magistrados, a qual, sob a aparência de fiel adesão ao princípio republicano e ao ideal democrático, permanece de fato essencialmente oligárquica e subserviente aos “donos do poder”.
Sem dúvida, temos de reconhecer que, ultimamente, algum progresso foi alcançado. Basta lembrar a fundação, há alguns anos, da Associação Juizes para a Democracia, que por sinal ingressou como amica curiae ao lado da OAB, no processo da ADPF nº 153 no Supremo Tribunal Federal. Mas não se há de ignorar que a mudança de mentalidades coletivas só se alcança por força de um trabalho sistemático e prolongado de educação: no caso, especificamente, de educação ética e política, centrada nos direitos humanos.

À guisa de conclusão

“Quem é o juiz do Supremo Tribunal Federal?”, perguntou Rui Barbosa . E respondeu: “Um só é possível reconhecer: a opinião pública, o sentimento nacional”.
Essa respeitável opinião, certamente válida na época em que foi emitida, já não é hoje admissível.
No início do século passado, a opinião pública era formada em grande parte, entre nós, pelas manifestações publicadas na imprensa, que não se achava, então, submetida a poder algum, estatal ou privado. Hoje, porém, o conjunto dos meios de comunicação de massa, ou seja, não apenas a imprensa, mas também o rádio e a televisão, estão sujeitos à dominação de um oligopólio empresarial, que representa um dos maiores sustentáculos do regime oligárquico. Não foi por outra razão que o julgamento pronunciado pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da lei de anistia de 1979, salvo raras e honrosas exceções, não mereceu nenhuma reprovação no conjunto dos meios de comunicação social.
Mas há ainda outra razão para se recusar o alvitre de Rui Barbosa acima lembrado. A partir da segunda metade do século XX, criou-se um sistema supra-estatal de proteção dos direitos humanos, consubstanciado em tribunais internacionais. A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, por exemplo, instituiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com competência para julgar quaisquer casos de violação das suas disposições. O Brasil aderiu formalmente àquela Convenção e acha-se, por conseguinte, submetido à jurisdição da citada Corte.
Temos, pois, hoje, um juiz internacionalmente reconhecido do nosso tribunal supremo. Doravante, o poder da espada já não é capaz de desequilibrar, impunemente, a balança da Justiça.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

El futuro de España

La sentencia del 'Estatut' ha producido un importante desgaste en la articulación institucional entre Cataluña y el Estado. Habrá que ver qué cambios se introducen tras las elecciones autonómicas

Antonio Elorza es catedrático de Ciencia Política.

Verano de sentencias. Después de la pronunciada contra el Estatut (Caminal dixit), llegó el dictamen sobre Kosovo. Los juristas pueden aducir aquí que en el texto del Tribunal de La Haya no se reconoce el derecho de autodeterminación y por consiguiente ese pronunciamiento no representa riesgo alguno para Estados sometidos a tensiones secesionistas. Caso de España. Solo que como en su precursora, la resolución del Tribunal Supremo de Canadá sobre la posible separación de Quebec, los matices y las condiciones no cuentan para quienes se fijan ante todo en las letras mayúsculas de esta jurisprudencia. Además si bien la Corte de La Haya deslinda cuidadosamente el ámbito de aplicación de su dictamen respecto de la autodeterminación, no deja de constatar los cambios registrados en el tratamiento del tema a lo largo del siglo XX. Del punto de partida inequívoco en cuanto a su reconocimiento solo para los territorios sometidos a una dominación y a una explotación extranjera se ha pasado a plantear la cuestión aún no resuelta del derecho para una población de separarse del Estado del cual forma parte, aun cuando este se oponga. Añade además la Corte el dato de que en los tres últimos siglos proliferaron las declaraciones unilaterales de independencia, dando lugar a nuevos Estados.

El único rechazo claro a una declaración de ese tipo no procedería de la unilateralidad, sino de que la misma estuviese acompañada de la fuerza o de la amenaza del uso de la fuerza, o de violaciones de las normas del Derecho Internacional: serbios de Bosnia, Chipre turco. En suma, "el Tribunal considera que el Derecho Internacional general no contiene una prohibición aplicable de las declaraciones de independencia". Ahora bien, la ausencia explícita de negación adquiere inevitablemente una connotación positiva. Si por acuerdo de una autoridad municipal es retirada la señal de prohibido aparcar, eso es interpretado por todo el mundo como que se autoriza el aparcamiento. La reacción de los tutores de Kosovo lo confirma al instar a todos los países a su pleno reconocimiento como Estado independiente.

La satisfacción al respecto de los independentistas catalanes y vascos se encuentra así plenamente justificada, por encima de que Kosovo nada tenga que ver con Cataluña o Euskadi. Cobra fuerza la idea de que una secesión unilateral por vía democrática resulta algo legítimo, sin contar con la posición del Estado-matriz o con el respeto a las minorías (en el caso kosovar, el Tribunal ignora las exacciones ejercidas sobre la serbia, que por el contrario carece del derecho de autodeterminación). Llegado el caso, los independentistas flamencos, padanos o los de nuestra periferia no van a detenerse en las advertencias formuladas sobre la secesión de Quebec por el Supremo canadiense o por Stéphane Dion en su esclarecedor La apuesta de la franqueza.

Respuesta inmediata: en España no existe problema alguno de ruptura, de manera que solo plantear tal comparación equivale a sembrar un infundado alarmismo. Contrarréplica: de acuerdo en cuanto a la inminencia de semejante crisis, pero no es menos cierto que en los últimos 15 años, después de un periodo de aparente consolidación del Estado de las autonomías, la deriva de los continentes se ha acentuado en su interior. Gracias a haberlo planteado como un órdago, el plan Ibarretxe pudo ser abortado sin excesivas dificultades; en cambio, la nave de los locos en que se convirtió el asunto del Estatut ha producido un importante desgaste en la articulación institucional entre Cataluña y el Estado.

El vacío mental en que se mueve el presidente Rodríguez Zapatero al respecto, unido a su excelencia para la maniobra, permitirá tal vez un recosido celestinesco, a costa de que Artur Mas ocupe el Gobierno tras las inminentes elecciones, y confiando en el pragmatismo de CiU para que nada grave suceda.

Pero el mal de fondo está hecho y no solo porque en la gran manifestación de julio proliferasen los gritos a favor de la independencia, o porque Laporta proponga la celebración de un referéndum independentista. Más grave es que en todas las declaraciones de políticos e intelectuales catalanes no hay la menor consideración a lo que puede ocurrir con el Estado tras el vaivén iniciado en 2004. España ha sido borrada del horizonte político catalanista, salvo como obstáculo o como ente históricamente incapaz de entender la singularidad y la capacidad de sufrimiento de Cataluña. Ejemplo: la áspera reacción de Montilla frente a la Defensora del Pueblo, acusada de ataque al Estatut, por cuestionar al catalán como idioma exclusivo para integración de los inmigrantes.

La táctica es bien conocida de los estudiosos de los movimientos sociales y consiste en suscitar un efecto-mayoría, sin importar que las proposiciones sean verdaderas o falsas. Incluso que exista esa Cataluña o esa Euskadi enterizas que asumen en su totalidad las premisas del discurso nacionalista. Como la España del PP, tanto da. Una vez sentado el dogma sigue la exigencia dirigida al otro por quienes personifican a la Nación Única de una actitud reverencial, con renuncia a cualquier análisis que pudiera colorear las imágenes en blanco y negro. Fue significativo hasta qué punto los medios de comunicación controlados por el Gobierno respondieron dócilmente a tal requerimiento tras la sentencia. Ya antes, desde que se calentaron los ánimos con la filtración sobre el "juez irreductible" negador de la nación catalana, los medios y los partidos catalanistas se convirtieron en un coro unánime y excluyente por la intangibilidad del Estatut. Únicamente el impulso competitivo ante las próximas elecciones quebró la unanimidad después de la manifestación de Barcelona.

A partir de ahí, la cuestión es cómo escapar de este círculo vicioso que se verá alimentado cada vez que alguien toque los intereses o los símbolos definidos como sagrados. La premisa inicial puede consistir en la puesta en tela de juicio de lo sagrado. No se trata de negar la nación catalana o la vasca, sino de percibir que ambas naciones no son esencias inmutables, sino resultados de un secular proceso histórico en el curso del cual se han imbricado con la nación española. La doble identidad que asumen hoy la mayoría de los ciudadanos en ambas comunidades es la resultante de ese medio milenio de construcción de España, no simplemente del Estado español, con la consecuencia bien precisa de que hasta ahora la división política entre nacionalistas y no nacionalistas se situaba en torno al 50%.

La plurinacionalidad de España nada tiene que ver con la de Austria-Hungría o con la de Yugoslavia. Es comprensible que los nacionalistas prefieran la homogeneidad de tipo esloveno, pero esta hoy por hoy no existe y resulta antidemocrático forzarla con medidas excluyentes.

La sorpresa es que tanto los intelectuales como los políticos catalanistas, Montilla incluido, lamentan que haya sido arruinada la perspectiva federal que al parecer estaba incluida en el Estatut. Sorprende porque las grandes federaciones como la norteamericana o la alemana siguen la trayectoria opuesta: conjugan autogobierno de los Estados miembros con un poder fuerte en el vértice: "el poder federal asume todas las competencias necesarias para garantizar la independencia del Estado", resume Miguel Artola. A nadie se le ocurre que California o Sajonia sean naciones, ni multar allí a un tendero porque rotule su establecimiento solo en inglés. Claro que para los constitucionalistas militantes de nuestra periferia existen otras federaciones llamadas a asumir la plurinacionalidad. Cabría añadir que un óptimo ejemplo fue Yugoslavia y que el criterio de bilateralidad, aplicado a la relación entre comunidades y Estado, determina confederación. Las razones que desaconsejan tales ensayos fueron ya expuestas hace más de dos siglos por Alexander Hamilton en El federalista, vista la imposibilidad de una confederación para resolver conflictos: "de ser posible construir un Gobierno federal capaz de regular los intereses comunes y mantener la tranquilidad general, debe ser fundado". A ello tendía la federalización propuesta por el PSOE en Santillana, hoy ya olvidada.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sobre la crisis y el rechazo del otro

JEAN-MARIE COLOMBANI - Periodista, ex director de Le Monde. Traducción de María Luisa Rodríguez Tapia.

En una crisis aumenta el peligro de las mareas populistas. El primer elemento que sostiene ese peligro es, por supuesto, la propia crisis; y con ella, la amenaza -o, para ser más exactos, la percepción de la amenaza- del declive. Esta es, desde luego, una visión europea. Porque, desde China, India o Brasil, la crisis está muy lejos. Las estadísticas del segundo trimestre sugieren que la economía china puede superar en 2010 a la de Japón; y qué decir de India, que crece a un ritmo acelerado y donde el incremento de la mano de obra en los 20 próximos años (contando con la incorporación de las mujeres, además del crecimiento demográfico) será equivalente a lo que representa hoy el conjunto de la mano de obra norteamericana. Es decir, todos estos países viven orientados hacia la expansión, el progreso, el desarrollo.

Por el contrario, desde Europa, lo que más impresiona es claramente el nivel del desempleo y el pesimismo que lo acompaña. Aunque la Unión Europea haya superado hace poco el listón de los 500 millones de habitantes y su economía incluso pueda llegar a ser la primera del mundo, sus perspectivas de crecimiento no pueden ser más mediocres. Salvo en el caso de Alemania, la recuperación está siendo lenta y, sobre todo, da la impresión de que el paro ha vuelto a instalarse para un periodo indefinido en unos niveles que por fuerza deben tener consecuencias sociales y políticas. Estados Unidos, por paradójico que resulte, está más cerca de una percepción europea, mientras persistan las incertidumbres sobre el crecimiento y sobre cómo va a ser posible estimularlo en los años venideros; sobre todo, con la aparición de un fenómeno insólito en el país americano: un desempleo de dos dígitos.

La situación estadounidense y la europea tienen otras dos características comunes: la impopularidad de los dirigentes y el ascenso del populismo y la demagogia. La impopularidad afecta a todo el mundo: Barack Obama no cuenta ya más que con el apoyo, sobre todo, de los afroamericanos y, en menor medida, los hispanos. Angela Merkel, pese a los excelentes resultados alemanes, tiene el nivel de popularidad más bajo de los conservadores desde hace 30 años. Nicolas Sarkozy está en situación de mínimos. Incluso el inamovible Silvio Berlusconi se encuentra ya en minoría. Y José Luis Rodríguez Zapatero sufre el mismo trato que la mayoría de los demás gobernantes.

Rechazo a los dirigentes, pues, pero también rechazo al otro. Si lo primero es una cosa inevitable en una democracia, lo segundo siempre es peligroso. El ejemplo procede de Estados Unidos, donde algunos cargos electos republicanos han declarado la guerra a la 14ª enmienda de la Constitución, la que establece el ius soli y concede la nacionalidad estadounidense a toda persona nacida en territorio de Estados Unidos. Es una revisión inédita y brutal que muestra la radicalización de una buena parte de la opinión pública y la derecha de ese país.

En este mismo apartado es preciso incluir la desastrosa evolución del propio Partido Republicano, que, además de sus diatribas contra Obama, ha renunciado a buscar el respaldo de los estadounidenses de religión musulmana (el 1% de la población) y ha decidido utilizar la denuncia del islam como instrumento para recuperar popularidad; así lo demuestra la campaña lanzada contra la construcción de una mezquita y un centro religioso en Nueva York, cerca del solar de las Torres Gemelas. Es sabido que entre las derechas existe una permeabilidad total, de modo que podemos temer que se produzca un contagio a las derechas europeas, que no lo necesitan, a juzgar por su reciente evolución.

Porque en Europa también está adquiriendo una intensidad peligrosa la cuestión de la nacionalidad y las nacionalidades. Un terreno minado donde los haya. Y en este sentido, por desgracia, el campeón de este movimiento no es sino Nicolas Sarkozy, que ya no tiene nada que envidiar a la tristemente célebre Liga del Norte italiana. En efecto, acaba de emprender una campaña contra los gitanos y la "población itinerante", a los que tiene intención de expulsar cuando estén en campamentos clandestinos (la mayoría), al tiempo que ha decidido relanzar una campaña en la que relaciona inmigración e inseguridad.

En otros países, la cuestión de las nacionalidades está adquiriendo visos alarmantes: Rumania y Hungría otorgan la ciudadanía europea a poblaciones rumanas y húngaras que viven en países que no son miembros de la Unión Europea; los estonios de origen ruso reciben un extraño pasaporte en el que figura escrito que son extranjeros, pese a que han nacido en Estonia.

En resumen, señales de crispación por todas partes y, lo que es más grave, señales de explotación política de esa crispación, tanto si se trata de una explotación política procedente de movimientos de extrema derecha como, peor aún, de los poderes "republicanos", que es lo que algunos anuncios presidenciales hacen temer en Francia. Para no hablar de la histeria antifrancófona que se ha apoderado de la extrema derecha flamenca en Bélgica, ni de la persistencia de las actitudes contra los inmigrantes en Italia. Estos son problemas que deben movilizar a quienes, en Europa, deseen hacer prevalecer el espíritu de tolerancia y apertura consustancial a la construcción europea.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

De toros y argumentos

O artigo abaixo replicado, apesar de sua conotação local, tem, obviamente, uma valência universal. Que se queira pensar a dignidade só para o humano é, de fato e de direito, uma falácia. Digna é a vida como tal, de humanos e não humanos. E mais, nós, humanos, temos deveres de guarda e cuidado para com a vida não humana (ou pelo, devemos deixá-la seguir sua zoe sem interferência):


Ni la tradición, ni la libertad de empresa, ni la protección de una especie, ni el arte y la diversión de los aficionados sirven para justificar una actividad que produce dolor y sufrimiento a un mamífero superior.

PABLO DE LORA - Profesor titular de Filosofía del Derecho de la Universidad Autónoma de Madrid

JOSÉ LUIS MARTÍ Profesor titular de Filosofía del Derecho de la Universidad Pompeu Fabra de Barcelona

FÉLIX OVEJERO Profesor titular de Ética y Economía de la Universidad de Barcelona.

En el mundo hay personas que creen que los animales poseen ciertos derechos, o cuanto menos que los seres humanos tenemos ciertas obligaciones para con ellos. Y también hay personas que genuinamente creen que no. No es un drama. También hay quienes creen que Elvis Presley sigue con vida, que el color de la piel debe determinar nuestros derechos o que vivimos entre fantasmas. Hay gente para todo.

Pero no hay razones para todo. Los filósofos morales discrepan profundamente sobre el estatus ético de los animales no humanos, pero muy pocos, por no decir ninguno, sostienen que no tenemos ninguna obligación de respeto mínimo, al menos hacia los grandes mamíferos. También los legisladores en muchísimos países del mundo piensan que la crueldad o el maltrato gratuito hacia los animales no son admisibles, llegando a considerar esos actos como delitos. En Estados Unidos, una ley federal promulgada en 1999 castigaba incluso la creación, venta o posesión con fines comerciales de material gráfico que muestre crueldad animal. Con esa norma se trataba de poner coto a la industria de los llamados crush videos -imágenes que muestran la tortura intencional y sacrificio de animales indefensos (perros, gatos, monos, ratones y hámsters)- con los que, al parecer, algunos individuos obtienen placer sexual.

La discusión se centra, por tanto, en estas otras cuestiones: ¿qué obligaciones concretas tenemos y hacia qué animales? ¿Cómo podemos ponderar dichas obligaciones con otras consideraciones moralmente valiosas, como la alimentación y supervivencia de los propios seres humanos o la investigación médica? ¿Es el ocio o incluso el arte uno de esos bienes que cabe sopesar frente al sufrimiento cierto de un animal no humano, como ocurre en las corridas de toros?

Habida cuenta de la alarmante confusión que ha presidido estos días los debates y comentarios, queremos analizar algunos de los argumentos esgrimidos en defensa de la pervivencia del llamado "espectáculo" de los toros e impedir su prohibición.

Vamos a orillar la cuestión identitaria, que algunos interesadamente han introducido en el debate, o la disputa jurídica sobre la competencia del Parlament para tomar esta decisión, así como la hipocresía o incoherencia moral de quienes defienden la medida adoptada, pero no se oponen con parecidas armas a otras prácticas igualmente crueles. Nos centraremos en estos cinco argumentos: la tradición, la desaparición natural, la preservación de la "especie", la libertad y el arte.

El argumento de que los toros son una tradición consolidada en España -y en otros países- no tiene mucho vuelo. Que una acción se haya venido produciendo a lo largo del tiempo sencillamente no ofrece ninguna razón moral para seguir realizándola. Segundo, estos días hemos podido escuchar en boca de algunos protaurinos una preferencia por la "desaparición natural" de las corridas antes que por la prohibición impuesta por el poder público. Las corridas ya habían perdido buena parte del favor popular en Cataluña -se dice- así que hubiera sido mejor que se dejaran extinguir por sí solas. Pero este argumento tampoco funciona. Imaginen que lo extendiéramos a otras acciones o actividades prohibidas. Que dijéramos algo así como: "Cada vez son menos los padres que maltratan físicamente a sus hijos menores, así que dejemos que desaparezca esta práctica de manera natural". O tenemos la obligación de no infligir sufrimiento innecesario a los toros -o a nuestros hijos- o no la tenemos. Esto es lo que debemos discutir. ¿Para qué prohibir algo que ya nadie hace?

Se ha aducido también que, si no fuera por las corridas, desaparecería esta "especie" de toros, y que si las prohibimos, propiciaremos su desaparición. Es el argumento de la preservación, un razonamiento añejo en los pagos de la discusión sobre la consideración moral que merecen los animales no humanos. Al respecto cabe esgrimir, primero, que, desde el punto de vista zoológico, los toros de lidia no constituyen una "especie" independiente. Segundo, si los aficionados son tan profundos defensores de los toros que luchan por su supervivencia, ¿por qué no aúnan esfuerzos colectivos para preservarlos creando refugios naturales en las dehesas sin causarles por ello sufrimiento, como hacemos con los bisontes, por ejemplo? Finalmente, a nosotros nos preocupan prioritariamente -en este y en otros ámbitos de la ética- los intereses y el bienestar de los individuos que sufren el maltrato. Las "especies" -como las lenguas, las naciones o los pueblos- no se ven afectadas por el perjuicio de su inexistencia. Si para preservar una especie debemos torturar a todos sus miembros, tal vez la preservación no sea tan valiosa.

En cuarto lugar, se apela a la libertad: la prohibición supondría un "liberticidio", han dicho algunos. El poder público no está, ha señalado una representante del PP, para decirnos cómo vestir o qué estilos de vida abrazar. Una segunda expresión de la libertad -la libertad de empresa-, ampararía también que se sigan celebrando corridas. El argumento en cuestión presupone lo que antes hemos negado: que desde el punto de vista moral es irrelevante el sufrimiento o dolor que causemos a los animales no humanos. Si la prohibición es un sacrificio ilegítimo de la libertad de espectadores y empresarios es porque lo que ocurra con el toro en la plaza no cuenta nada. Se ha repetido hasta la saciedad, pero muchos no se han querido enterar, que nuestros ordenamientos jurídicos cuentan con multitud de restricciones a la libertad que nadie considera ofensivas ni liberticidas porque con ellas se protegen bienes igualmente valiosos o importantes, incluso cuando ni siquiera se infligen daños a sujetos con capacidad de sufrir. La protección del patrimonio histórico-artístico, o del medio ambiente, o la disciplina urbanística, son ámbitos plagados de prohibiciones en aras a que todos disfrutemos de paisajes, o ciudades más amables, o de un legado monumental, pictórico, escultórico que estimamos valioso. ¿Alguien se imagina que un grupo de personas, basándose en la libertad de empresa, constituyera una sociedad que organizara espectáculos de tortura pública de delfines, en el que tras causarles diversos daños, dolor y sufrimiento se acabara con su vida con una espada? ¿Justificaría algo la libertad de empresa, o incluso la diversión que pudiera generar esta macabra actividad en cierto público? ¿O es que los toros merecen menos respeto que los delfines? Ni la libertad de empresa, ni el lucro mercantil, ni la diversión de los aficionados, sirven para justificar una actividad que produce dolor y sufrimiento a un mamífero superior.

En último lugar, tal vez buscando ese otro valor que justifique el daño infligido, se esgrime habitualmente el argumento de que los toros son un arte -no los toros en sí mismos, entiéndase, sino las acciones que les provocan sufrimiento y al final la muerte-. Pero este razonamiento es, en el mejor de los casos, incompleto, y en el peor, inconcluyente. Lo que sí nos interesa subrayar es que, de resultas de ese debate, cabe concluir que decir que algo es arte no le confiere ningún estatus o valor especial a la actividad en cuestión. Lo que da valor -estético- a un objeto no es, pues, que dicho objeto sea simplemente catalogado como arte, sino el hecho de que se trate de buen arte o arte valioso. Por lo demás, igual que una tradición no es, por el hecho de serlo, buena o mala moralmente, tampoco lo es el buen arte.

No confundamos, por cierto, el supuesto "arte de los toros", con el indiscutible "arte acerca de los toros". Que algunos artistas hayan realizado magníficas obras a cuenta de las corridas, como tantos novelistas las han realizado a cuenta de los asesinatos, no les otorga -ni a las corridas ni al asesinato- ninguna dignidad artística. Los fusilamientos del 3 de mayo no se disculpan por la pintura de Goya. Por seguir con la misma comparación: aunque Thomas de Quincey y algunos de los aficionados a las novelas de misterio tuvieran razón, y el asesinato fuera una de las bellas artes, ello no quiere decir que debamos derogar los artículos 138 a 143 del Código Penal. Y por cierto, un aviso para malpensantes y tramposos: no estamos comparando el asesinato de un ser humano con el sacrificio de un toro; no, no estamos estableciendo una relación de semejanza sino una semejanza de relaciones.

No han faltado en estos días los defensores de la "fiesta nacional" que nos recuerdan que este debate forma parte también de la tradición taurina, como si de un adorno se tratara. Pero no, no se trata de "dar vidilla" -con perdón por el sarcasmo dado el contexto- como si los argumentos, en el fondo, dieran igual. Cuando se discute sobre la conveniencia de una ley que ha de regir la convivencia, los argumentos son lo único que importa.

sábado, 14 de agosto de 2010

Las medidas xenófobas dividen Francia

Para aqueles que põem em suspeição a tese de Giorgio Agamben sobre a intima conexão entre democracia e totalitarismo, a notícia que replico abaixo deveria servir não de alerta, mas como confirmação de seu acerto. Que os regimes democráticos contemporâneos adotem, sem qualquer ranço de dúvida, técnicas totalitárias, como a segregação de minorias - sempre os ciganos!, o controle biométrico da população, a possibilidade de se declarar a perda da nacionalidade - a nacionalidade não como um direito humano, mas como status que se deve provar merecedor - etc, são signos mais do que suficientes do défice de democracia que se impõe aos atuais regimes políticos. E depois o Ocidente, culto e desenvolvido (é mesmo?), se arroga na pretensão de condenar o Oriente, inculto e supersticioso!!


La expulsión de gitanos y el plan para quitar la nacionalidad a criminales de origen extranjero incendian el debate público - Los primeros sondeos apoyan al Gobierno

ANA TERUEL - París - 14/08/2010

La decisión del Gobierno del presidente Nicolas Sarkozy de expulsar a los gitanos y la ley que prepara para quitar la nacionalidad a los criminales de origen extranjero han encendido el debate en Francia. Mientras muchos intelectuales, organizaciones de derechos humanos y hasta la misma ONU sostienen que las medidas están "recrudeciendo" los actos racistas y xenófobos en el país, la mayoría de los primeros sondeos realizados por los medios respaldan las medidas del Ejecutivo aun cuando se dude mucho de su eficacia para frenar la delincuencia.

La decisión del Gobierno del presidente Nicolas Sarkozy de expulsar a los gitanos y la ley que prepara para quitar la nacionalidad a los criminales de origen extranjero han encendido el debate en Francia. Mientras muchos intelectuales, organizaciones de derechos humanos y hasta la misma ONU sostienen que las medidas están "recrudeciendo" los actos racistas y xenófobos en el país, la mayoría de los primeros sondeos realizados por los medios respaldan las medidas del Ejecutivo aun cuando se dude mucho de su eficacia para frenar la delincuencia.

Las medidas son parte de la ofensiva electoral de Sarkozy con vistas a la reelección de 2012 y tras la derrota en los comicios regionales de marzo pasado. Desde entonces, el presidente organiza reuniones cada tres semanas en El Elíseo para preparar la remontada. La última estrategia, supuestamente destinada a la lucha contra la delincuencia, fue puesta en marcha a finales de julio.

En Grenoble, frente a cientos de policías, Sarkozy no dudó en unir la seguridad ciudadana con la inmigración en su discurso para anunciar que los delincuentes de origen extranjero no merecen ser franceses. Cuando dijo esto, la decisión de expulsar a los gitanos ya estaba tomada. La justificación se originó en los disturbios registrados en Saint-Aignan tras la muerte de un joven gitano a manos de la policía. Desde que el ministro del Interior, Brice Hortefeux, anunció el 28 de julio el desmantelamiento de los poblados gitanos, más de 40 de estos campamentos han sido erradicados y alrededor de 700 personas han sido repatriadas a Bulgaria y Rumania en vuelos chárter. Ayer mismo, la policía desalojó a un millar de gitanos de 274 caravanas en Anglet, al suroeste.

La ONU ha criticado duramente la política de Sarkozy. El Comité para la Eliminación de la Discriminación Racial que esta semana analizó la situación en Francia concluyó que en el país había un "notable recrudecimiento del racismo y la xenofobia". La reacción de la UMP, el partido de Sarkozy, fue durísima. Su portavoz, Dominique Paillé, declaró que las conclusiones del comité le extrañaban, "sobre todo porque lo componen gente que procede de países que no respectan en absoluto los derechos humanos". El comité lo componen 18 miembros de diferentes países, como China, Pakistán o Burkina Faso, además de EE UU y el Reino Unido. Hortefeux, por su parte, añadió que el Gobierno no tiene "ninguna voluntad de estigmatizar" a la comunidad gitana, tal y como le recrimina la ONU.

La intención del Ejecutivo de modificar la ley para poder retirar la ciudadanía a los franceses nacionalizados que ataquen a la autoridad pública o cometan un delito también ha sido denunciada por anticonstitucional por las asociaciones de Derechos Humanos, que sostienen que no se puede diferenciar entre diferentes tipos de franceses. La propuesta legal será debatida en septiembre en la Asamblea Nacional.

En principio, los sondeos apuntan a que el Gobierno cuenta con el apoyo de la población. Según una encuesta publicada por el diario conservador Le Figaro, el 79% de los entrevistados se declara a favor del desmantelamiento de los poblados de gitanos. Entre el electorado de derechas, el porcentaje se dispara al 94%. Más del 70% se muestra favorable a la retirada de la nacionalidad para cierto tipo de criminales. En otra encuesta, publicada esta vez por el diario comunista L'Humanité, el 62% considera necesarios los desmantelamientos de los campos gitanos y el 57% está de acuerdo con las medidas relativas a la ciudadanía. En cuanto a la tasa de popularidad el presidente, en términos generales, remonta por primera vez en meses, al recuperar dos puntos entre julio y agosto, para situarse en el 34%, según Le Parisien.

La revista Marianne, muy crítica con el presidente Sarkozy, ha publicado otro sondeo en el que una ajustada mayoría (51%) reprueba las medidas, mientras que un 46% las respalda. Otro dato curioso de la encuesta es que siete de cada diez ciudadanos creen que ninguna de las medidas tomadas en los últimos ocho años ha sido eficaz para reducir la criminalidad. Durante ese periodo, Sarkozy ocupó dos veces el Ministerio del Interior. Llegó a la presidencia en mayo de 2007.

La primera secretaria del Partido Socialista, Martine Aubry, se ha limitado de momento en denunciar la deriva "antirrepublicana" del Gobierno, aunque miembros del partido aseguran que se expresará con más detalles sobre el proyecto de retirada de la nacionalidad con el reinicio del curso político. Más duras han sido las palabras del ex primer ministro socialista Michel Rocard, que ha calificado la actitud electoralista "en busca del voto del (partido de extrema derecha) Frente Nacional" del Gobierno de "execrable y escandalosa".

A la espera de comprobar si estas medidas han supuesto el punto de inflexión esperado por el Gobierno en la reconquista de la opinión pública, de momento el Ejecutivo ha logrado dejar en un segundo plano el que se anunciaba como el culebrón del verano, el escándalo politico-financiero conocido como caso Bettencourt, que salpicaba de pleno al titular de Trabajo, Eric Woerth. El ministro, que en septiembre tendrá que defender la reforma del sistema de pensiones del Gobierno, fue interrogado apenas unos días antes del anuncio de las medidas xenófobas por la policía financiera en el marco de la investigación en torno a la fortuna de la dueña de L'Oréal, Liliane Bettencourt, por un posible conflicto de intereses.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

El imperativo de la felicidad

Los individuos de las sociedades modernas buscan con fervor el sueño inalcanzable de ser felices, por encima incluso de la libertad, la justicia o la alegría. Esa obsesión termina por culpabilizar toda desdicha

GERMÁN CANO: Profesor de Filosofía en la Universidad de Alcalá de Henares y editor de las obras completas de Nietzsche que publica Gredos.

En esa piedra angular de la reflexión de la modernidad crepuscular que es Dialéctica de la Ilustración, Theodor W. Adorno y Max Horkheimer no dudaron en retroceder hasta las fuentes míticas del mundo antiguo para rastrear el origen ascético de una racionalidad instrumental orientada al trabajo y al sacrificio del goce. En 1947, año de sombríos balances en el que se publicó la obra, la arriesgada comparación entre Ulises y el buen burgués sonaba tan intempestiva como en la actualidad, pero tuvo gran eco. Para escuchar el canto seductor de las sirenas, pero sin ceder a su destructora invitación a la felicidad, el héroe se hacía atar al palo mayor después de haber tapado con cera los oídos de sus subordinados. Del mismo modo que Ulises se sustraía a la fatal seducción del canto de las sirenas atándose a este rígido mástil, el ascetismo burgués alejaba de sí tanto más obstinadamente su dicha cuanto más cerca sentía su inquietante presencia.

¿Se caracteriza nuestro sistema cultural por su afán ascético, por su austeridad respecto a todo goce? Parece más bien lo contrario: Ulises se ha soltado del mástil. Bajo la intimidatoria tiranía del imperativo de felicidad nuestras sociedades no solo habrían renunciado a todo horizonte trágico de sentido; también han criminalizado como patología toda humana e ineludible desgracia. Habríamos pasado, en suma, de habitar los insondables abismos religiosos de la culpa carnal a un mundo kitsch donde nuestra única vergüenza sería no conquistar el sueño de la felicidad.

Muchas veces considerados como "las páginas en blanco de la historia", los días felices nunca fueron vistos con buenos ojos por los grandes clásicos. Entendámonos: no se trata de echar mano de moralina ni de volver a los buenos tiempos del sacrificio, destruyendo este nuevo becerro de oro de las sociedades tardocapitalistas. No, la felicidad es demasiado importante como para que domine como valor exclusivo. El problema radica en la ausencia de límites de un cuerpo feliz a secas. Cuando las sociedades modernas persiguen con tanto fervor ese sueño inalcanzable y abstracto llamado "felicidad individual" -incluso por encima de la libertad, la justicia o incluso la alegría-, la búsqueda compulsiva de esa sombra esquiva no tiene más remedio que culpabilizar toda desdicha.

En este contexto de sospecha la óptica del psicoanálisis es indispensable. Desde el momento en el que se nos exhorta a ser felices, ¿no se vuelve el sexo, por ejemplo, un deber incluso más insidioso que cualquier orden moral? Con Slavojiek podríamos decir que el mejor símbolo del imperativo de felicidad actual es la viagra. Una vez que esta se ocupa de modo automático de tu erección, ya no hay excusa: ¡tienes que disfrutar del sexo! ¡Y si no eres sexualmente feliz, es por tu culpa!

Alguna responsabilidad ha tenido también cierto optimismo tecnológico, ilusoriamente convencido de poder construir a golpe de voluntad cielos sobre la tierra. Máxime cuando el paso siguiente de este proyecto prometeico fue identificar toda aflicción como "anomalía". ¿La consecuencia? Una sociedad frágil, excesivamente preocupada por la amenaza del dolor, siempre "en riesgo", desvalida, infantilizada por la necesidad de protección.

En calidad de maestro de la paradoja, el pensador Odo Marquard nos ayuda a perfilar nuestra febril hipersensibilidad hacia la desdicha, un singular malestar que tal vez se explique a la luz de esta ambivalencia: puesto que los avances de la era moderna en derechos, reivindicaciones y la democratización del reconocimiento han despertado unas expectativas casi infinitas, la decepción de los seres humanos parece aumentar paulatinamente también con cada progreso. Una vez que se reconoce al hombre la capacidad de fundamentar su propia felicidad y se desploma toda teodicea; cuando la insatisfacción respecto al mundo, dirigida antaño hacia lo trascendente, se orienta hacia la contingencia histórica, no se tarda mucho en descubrir siempre a algún chivo expiatorio como mancha que obstaculiza el curso necesario hacia el paraíso terreno. "En el mundo de la vida de los hombres", concluye Marquard, "la felicidad siempre está junto a la infelicidad, a pesar de la infelicidad o directamente por la infelicidad". Dicho de otro modo: cuando los progresos culturales son un éxito y eliminan el mal, raramente despiertan entusiasmo. Más bien se dan por supuestos, centrándose la atención exclusivamente en los males que perduran. Cuanta más infelicidad desaparece de la realidad, más nos ofende la infelicidad que aún persiste como resto. No habría felicidad, pues, sin sus correspondientes sombras.

Puede que esta sea nuestra "venganza de lo reprimido": cuanto más buscamos el lecho de Procusto de la felicidad, más atrapados e inermes nos sentimos frente al dolor. Ironía de las buenas intenciones: ¿no somos nosotros los primeros seres humanos de la historia que empezamos a ser infelices por no ser felices? Para unas sociedades que buscan ante todo asegurar una vida feliz frente a los posibles excesos, el dolor no puede ser más que una presencia obscena, un desagradable tabú.

Pero bajo la bandera de la salud y de la protección avanza por medio de esta eliminación de "riesgos" un poder biopolítico que blanquea el lenguaje jurídico o político en médico. Se explica desde este punto de vista nuestra necesidad heterónoma de expertos. Terapeutas y charlatanes mediáticos de la felicidad llenan este hueco a la vez que nos reconfortan de nuestras cobardías cotidianas. El actual mercado cultural de la espiritualidad que está transformando silenciosamente las secciones de filosofía de las librerías en apartados de autoayuda es un buen síntoma de ello.

No terminan aquí las paradojas. Es curioso que la obsesión individual por ser felices en el ámbito doméstico coincida con la necesidad de aparecer a los ojos de los demás como incurables quejosos. Peter Sloterdijk ha bautizado esta ideología como la "comedia de la desdicha": la pantomima de seguir un guión victimista en sociedad a fin de blindarnos de las virtudes contaminantes del don de la felicidad genuina, por definición extática, intersubjetiva. Nos quejamos por vicio, en verdad, pero, sobre todo, porque mostrarnos como felices ante los demás nos obligaría -noblesse oblige- a ser más generosos.

Si en la ideología clásica el subyugado por el mundo de la necesidad se refugiaba en el opio de la ilusión, ahora ocurre justo lo contrario: muchos que viven cómodamente miran de reojo simulado sus desgracias. Si un Molière redivivo tuviera que escribir su sátira, sería la del obseso de la felicidad que quiere parecer más infeliz de lo que es. Con malicia Sloterdijk subraya que lo único que cabe hacer "cuando uno es feliz, rico y libre es suicidarte o hacerte corredor de maratón". Interesante reflexión para comprender cómo el culto vigoréxico al cuerpo se convierte en la coartada para no compartir la dicha. Cuando la cultura de la queja huye del dolor lo trivializa presentándolo como absolutamente ajeno a nuestro presunto derecho a la felicidad.

¿Recetas contra esta abusiva "feliz dependencia"? Lejos de esa automática búsqueda de intensidad de los nuevos sacerdotes del goce, quizá se trataría de conquistar los tonos grises, de limitar el avasallador derecho a la felicidad con un cierto sentimiento de gratitud por los regalos de la existencia. "Toda la felicidad", escribía Chesterton evocando las arbitrarias exigencias de los cuentos de hadas, "depende de abstenerse de hacer algo que en cualquier momento podría hacerse y que con frecuencia no es evidente por qué razón no ha de hacerse". Esta función del límite, por gratuito que sea, nos recuerda que la felicidad es un milagro, un regalo. No suena mal para concluir esta proclama infantil como principio de oposición a una sociedad cada vez más normalizada en torno a este estresante imperativo. Parafraseando el célebre inicio de Ana Karenina: todos los felices son felices de la misma manera, pero cada uno es desgraciado de modo singular.

Nota da Comissão de Anistia Acerca das Revisões Pelo TCU

Replico esta nota porque a acho importante para se compreender o que está em discussão no contínuo processo de revisão de nossa história recente. Depois da vergonhosa decisão do Supremo Tribunal Federal, temos agora Ministério Público e Tribunal de Contas da União a brincar de revisores... Pobre Constituição de 1988: sessenta e seis vezes  emendada (repito: SESSENTA E SEIS VEZES), e ainda deve suportar mais esta afronta de órgãos constitucionais que deveriam velar pelo regime democrático... Senhores Ministros, Procuradores e Auditores... Estudar um pouquinho de Direito Internacional não aleja ninguém.

NOTA DE OPINIÃO DA COMISSÃO DE ANISTIA SOBRE A DECISÃO DO TCU EM REVER AS ANISTIAS ÀS VÍTIMAS DO REGIME MILITAR
A Comissão de Anistia tomou conhecimento, por meio da imprensa, de decisão do TCU que acolheu solicitação do procurador Marinus Marsico para que todas as indenizações concedidas como prestações continuadas sejam reapreciadas pelo Tribunal, com fulcro em suposto caráter previdenciário das mesmas e em possíveis ilegalidades.
 
Como contribuição ao debate democrático junto à sociedade e às instituições públicas brasileiras, a Comissão de Anistia manifesta preocupação no sentido de que a decisão do TCU incorra em um equívoco jurídico, político e um retrocesso histórico.
 
1. Do ponto de vista jurídico importam dois registros.
 
O primeiro o de que, para tentar comprovar a possível existência de “ilegalidades” nas indenizações utilizaram-se de 3 casos emblemáticos: Carlos Lamarca, Ziraldo Alves Pinto e Sérgio Jaguaribe.
 
Ocorre que a decisão não abrangeu informações fundamentais. No caso do Coronel Carlos Lamarca, assassinado na Bahia, faltou a informação de que o direito devido à sua viúva é objeto de decisão da Justiça Federal meramente atualizada pelo Ministério da Justiça. Faltou registrar também que recentemente a Justiça Federal do Rio de Janeiro confirmou a correição da decisão da Comissão de Anistia no caso do jornalista perseguido Ziraldo e que possui situação idêntica a de Jaguar. Estaria a Justiça Federal cometendo ilegalidades?
 
Nos três casos, os critérios indenizatórios estão previstos na Constituição e na lei 10.559/2002. Vale ressaltar que o artigo 8º do ADCT prevê que a anistia é concedida “asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo”.
 
A segunda impropriedade reside em possível exorbitância das competências do TCU, que abrangem a apreciação da: “III – legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessão de aposentadorias, reformas e pensões civis e militares” nos termos do art. 71 da Constituição.
 
Ocorre que a lei 10.559/2002, criada por proposição do governo Fernando Henrique e aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional, em seu art. 1º, criou o específico “regime jurídico do anistiado político”, compreendendo como direito: “II – reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada, asseguradas a readmissão ou a promoção na inatividade, nas condições estabelecidas no caput e nos §§ 1o e 5o do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;”. Ainda, o artigo 9º, caracteriza de forma inequívoca a reparação como parcela indenizatória, destacando que “Os valores pagos por anistia não poderão ser objeto de contribuição ao INSS, a caixas de assistência ou fundos de pensão ou previdência, nem objeto de ressarcimento por estes de suas responsabilidades estatutárias”. Avançando ainda mais, a lei prevê, em seu parágrafo único que “os valores pagos a título de indenização a anistiados políticos são isentos do Imposto de Renda”.
 
Se a equiparação entre a indenização reparatória e a previdência social fosse o objetivo da Lei n.º 10.559, não teria ela em seu artigo 1º estabelecido de forma expressa o referido “regime do anistiado político” em oposição aos regimes especiais da previdência já existentes à época. Justamente o oposto: o 9º artigo da lei determina que todos os benefícios decorrentes de anistia sob tutela previdenciária do INSS sejam convertidos para a modalidade indenizatória e pagos pelos Ministérios do Planejamento e da Defesa: “O pagamento de aposentadoria ou pensão excepcional relativa aos já anistiados políticos, que vem sendo efetuado pelo INSS e demais entidades públicas, bem como por empresas, mediante convênio com o referido instituto, será mantido, sem solução de continuidade, até a sua substituição pelo regime de prestação mensal, permanente e continuada, instituído por esta Lei”.
 
Assim, questão basilar no direito brasileiro, os direitos indenizatórios não se confundem com os direitos previdenciários. A tentativa de igualar as prestações mensais a um benefício de natureza previdenciária é um exercício imaginativo forçado, cujo resultado inadequado seria uma assimetria entre as reparações de prestação única e as reparações de prestação mensal. Conforme a decisão, os perseguidos políticos que recebem reparação em prestação única seriam “indenizados” e os que recebem prestação mensal seriam titulares de “beneficio previdenciário”. A lei brasileira não estabelece esta distinção, ao contrário, dispõe que ambas reparações são resultantes do mesmo fato gerador, são reguladas pelos mesmos requisitos, com regime jurídico próprio e, óbvio, sob o teto de uma mesma lei. Neste sentido, estabelecer uma analogia entre a indenização em prestação mensal e a previdência social seria francamente exorbitante e ilegal, pois que procura, por meio do controle de contas, redefinir a natureza jurídica do regime do anistiado político, previsto na Constituição e regulamentado na Lei n.º 10.559/2002.
 
2. Do ponto de vista político, o temerário gesto do TCU ao se “autoconceder” uma competência explicitamente inexistente na Constituição pode enfraquecer a própria democracia. Incorre em erro a idéia difundida de que “[...] quem paga não foi quem oprimiu. É o contribuinte. Não é o Estado quem paga essas indenizações. É a sociedade.”, expressa recentemente pelo patrocinador da causa. Todo o direito internacional e as diretivas da ONU são basilares em afirmar que é dever de Estado, e não de governos, a reparação a danos produzidos por ditaduras. O dever de reparação é obrigação jurídica irrenunciável em um Estado de Direito. Mais ainda: o sistema jurídico nacional reconheceu esta responsabilidade nas Leis n.º 9.140/1995 e n.º 10.559/2002 e o Supremo Tribunal Federal definiu de forma claríssima que tais reparações fundamentam-se na “responsabilidade extraordinária do Estado” absorvida dos agentes públicos que agiram em seu nome (ADI 2.639/2006, Relator Min. Nelson Jobim). Deste modo, os critérios de indenização foram fixados pela Constituição de 1988 e pela Lei 10.559/2002 e qualquer alteração nestes critérios cabe somente ao poder Legislativo ou ao poder constituinte reformador, e não a órgãos de fiscalização e controle.
 
3. Do ponto de vista histórico tem-se que a anistia é um ato político onde reparação, verdade e justiça são indissociáveis. O dado objetivo é que no Brasil o processo de reparação tem sido o eixo estruturante da agenda ainda pendente da transição política. O processo de reparação tem possibilitado a revelação da verdade histórica, o acesso aos documentos e testemunhos dos perseguidos políticos e a realização dos debates públicos sobre o tema.
 
O Estado brasileiro demorou em promover o dever de reparação. Os valores retroativos devidos aos perseguidos políticos somente são altos em razão da mora do próprio Estado em regulamentar as indenizações devidas desde 1988. O somatório da inafastável dívida regressa é proporcionalmente igual à demora no processo de reparação. Questionar as “altas indenizações” tomando por base os valores dos retroativos, e não das prestações mensais em si importa em distorção dos fatos e do direito. Como a Constituição determina, os efeitos financeiros iniciam-se em outubro de 1988, o cálculo de retroativos que conduz aos altos valores é simplesmente aritmético, aplicada a prescrição qüinqüenal das dívidas do Estado. Não há, neste sentido, qualquer juízo administrativo sobre esse valor que possa ser corrigido sem flagrante desrespeito à Constituição.
 
Nas agendas das transições políticas, as Comissões de Reparação cumprem um duplo papel: juridicamente sanam um dano e, politicamente, fortalecem a democracia, restabelecendo o Estado de Direito e recuperando a confiança cívica das vítimas no Estado que antes as violou. É por esta razão que legislações especiais, como a Lei n.º 10.559, criam processos diferenciados para a concessão de reparações, com simplificação das provas (muitas vezes, como no caso brasileiro, parcialmente destruídas pelo próprio Estado) e critérios diferenciados de indenização (que não a verificação do dano moral e material). São órgãos públicos específicos para promover um amplo processo de oitiva das vítimas, registrar seus depoimentos, processar as suas dores e traumas, em um ambiente de resgate da confiança pública da cidadania violada com o Estado perpetrador das violações aos direitos humanos.
 
Após 10 anos de lenta e gradual indenização às vítimas, o anúncio público por parte do Estado brasileiro de revisar as impagáveis compensações decorrentes do “custo ditadura”, ou seja, dos desmandos cometidos pelo Estado nos períodos ditatoriais – como torturas, prisões, clandestinidades, exílios, banimentos, demissões arbitrárias, expurgos escolares, cassações de mandatos políticos, monitoramentos ilegais, aposentadorias compulsórias, cassações de remunerações, punições administrativas, indiciamentos em processos administrativos ou judiciais – pode implicar em quebra do processo gradativo de reconciliação nacional e de resgate da confiança pública daqueles que viram o seu próprio Estado agir para destruir seus projetos de vida. Tantos anos depois, torna-se inoportuno e injustificável para as vítimas, o Estado valer-se da criação de procedimentos de revisão diferentes daqueles inicialmente estipulados, estabelecendo uma instância revisora com um controle diferenciado, impondo ao perseguido político mais uma etapa para a obtenção de direito devido desde 1988, ampliando a flagrante violação ínsita na morosidade do Estado em cumprir com seu dever de reparar.
 
É importante destacar que a Comissão de Anistia não se opõe que o TCU promova fiscalização de legalidade concreta. A propósito, o Ministério da Justiça já observou algumas destas recomendações em outras oportunidades. O que não se pode concordar, neste momento é com o fato de que a Corte de Contas abandone seu papel de fiscal de contas arvorando-se verdadeiramente em nova instância decisória para a concessão dos direitos reparatórios. O sentido das Comissões de Reparação é o de estabelecer um procedimento mais simples, célere e homogêneo que o procedimento judicial, como forma de garantir a restituição dos direitos às vítimas ainda em vida ou aos seus familiares. Não guarda qualquer relação com este objetivo remeter ao TCU o trabalho arduamente realizado por 7 diferentes Ministros da Justiça ao longo de 10 anos.
 
A inclusão de um procedimento revisor nos dias de hoje pode abalar a confiança cívica que as vítimas depositaram no Estado democrático e a própria reparação moral consubstanciada no pedido oficial de desculpas a ele ofertado pelo Estado, prejudicando o processo de reconciliação nacional.
 
Trata-se de um grave retrocesso na agenda da transição política e da consolidação dos Direitos Humanos no Brasil. Em outros países que enfrentaram regimes de exceção a agenda nacional move-se no sentido de avançar, com o Chile abrindo a integralidade dos arquivos disponíveis, a Espanha retirando estátuas e denominações de espaços públicos alusivas à ditadura de Franco, a Argentina condenando torturadores, e todos os países (desde o fatídico episódio nazista na Alemanha) estabelecendo programas de reparação às vítimas e depurando do serviço públicos aqueles que promoveram violações graves aos direitos humanos. Esta decisão no Brasil orienta-se no sentido oposto: recoloca sob o plano da incerteza e da insegurança as reparações destinadas às vítimas ao invés de lançar-se sobre a investigação dos perpetradores.
 
É imperativo avançar com a localização e abertura dos arquivos das Forças Armadas; com a proteção judicial das vítimas, com uma reforma ampla dos órgãos de segurança; com a localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos entre outras tantas medidas já dadas pelo exemplo dos países que viveram experiências similares à nossa e pelo que está disposto nos tratados internacionais sobre a matéria. Caberia agora ao Brasil debruçar-se sobre os arquivos das vítimas, não para querer rever os critérios criados pelo legislador democrático diante do incomensurável custo-ditadura, mas sim para encontrar-se com os milhares de relatos das atrocidades impostas aos anônimos que os meios de comunicação ainda não se interessaram em propalar.
 
Por fim, a Comissão de Anistia reconhece a legitimidade do TCU para o controle de contas pontual e concreto, mas opõe-se ao extrapolamento ora em curso que pretende identificar o regime indenizatório com o regime previdenciário e proclamar uma nova instância revisora de todas as indenizações mensais. A Comissão de Anistia ainda reconhece todas as demais formas de controle da Administração Pública a que está submetida, como as esferas de controle interno e o próprio Ministério Público Federal.
 
Se há algum ponto positivo a ser extraído da decisão de ontem no caso desta ser mantida por instâncias recursais superiores, trata-se da possibilidade reaberta para que o Estado, uma vez mais, possa através de um órgão público dar publicidade às histórias de violações praticadas durante os anos de exceção no Brasil. Numa eventual reapreciação de todo o conjunto de processos julgados espera-se que o Tribunal de Contas, não transforme um processo de reparação política em processo meramente contábil e saiba ouvir e divulgar os relatos das vítimas, verificando com a devida sensibilidade histórica a legalidade de todas as concessões empreendidas pelo Ministério da Justiça. Somente deste modo a atual medida poderá contribuir para o fortalecimento da democracia e dos direitos humanos.
 
Brasília, 12 de agosto de 2010.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

La reconciliación como ideología

En la difícil relación que algunos Estados tienen con su turbulento pasado, la figura de la víctima permite crear espacios neutros y 'museos ecuménicos' donde se borran los conflictos y triunfa la memoria administrativa

RICARD VINYES - Historiador

En un libro clásico de Alexander y Margarete Mitscherlich, Fundamentos del comportamiento colectivo: La imposibilidad de sentir duelo -fechada en 1967 la edición original y traducida por primera vez al castellano en 1973-, ambos psicoanalistas ofrecían el primer diagnóstico sobre la conducta de la sociedad alemana desde el fin de la II Guerra Mundial hasta mediados de los años sesenta en relación con su pasado contemporáneo. Sostenían que aquella sociedad había buscado en el esfuerzo sobrehumano de la recuperación industrial y económica de posguerra el rechazo de asumir, en su subconsciente colectivo, los crímenes del nazismo.

Los autores se preguntaban por qué no se habían examinado los comportamientos de sus conciudadanos alemanes durante la República de Weimar y el Tercer Reich "de un modo suficiente y crítico. Desde luego, al decir esto no nos referimos a los conocimientos de ciertos especialistas, sino a la deficiente difusión de esos conocimientos en la conciencia política de nuestra vida pública". Y añadían: "Utilizamos la transición y el Estado democrático para producir bienestar, pero apenas para producir conocimiento". No se referían a la erudición profesional -insisten mucho en este aspecto-, sino al conocimiento de los orígenes y del proceso de crecimiento ético -la conciencia- de una ciudadanía. Situaban la ética política no solo en la historia, sino en la responsabilidad de la ciudadanía y, por tanto, del Estado de derecho.

Años más tarde -en 1990-, Alejandro González Poblete, secretario ejecutivo de la Vicaría de la Solidaridad de Chile, en una carta dirigida a la Comisión Rettig proponía de qué manera debía entender el Estado una política pública de reparación: "Entendemos la reparación como un proceso individual y colectivo de crecimiento y de apropiación de una mejor calidad de vida, que implica la dignificación moral y social de la persona y del grupo familiar dañado por la represión. Sin perjuicio de la principal obligación del Estado de asumir la reparación de las víctimas, corresponde a la sociedad toda reconocer la necesidad de esa reparación y contribuir a ella, que no se crea que medidas indemnizatorias del Estado son suficientes para cumplir con el objeto reparatorio". Al igual que los Mitscherlich, cuando hablaban textualmente de la "conciencia política de nuestra vida pública", González Poblete vinculaba también calidad de vida y bienestar con la socialización de un reconocimiento público de los desastres de la dictadura.

Pero actuar de esta manera requiere una decisión política del Estado de derecho: requiere acordar cuál es su origen ético y proceder en consecuencia. Una decisión que siempre ha instalado una querella en los procesos de transición y en la democracia posterior.

En España, ni el conocimiento y responsabilidades de la devastación humana y ética que había provocado el franquismo, ni la restitución social y moral de la resistencia, ni el deseo de información y debate que sobre aquel pasado inmediato iba expresando la ciudadanía más participativa, fueron nunca considerados por el Estado parte constitutiva del bienestar social de muchos ciudadanos. Ni tampoco como una pregunta que interrogaba sobre la base ético-institucional del Estado; es más, esas demandas siempre fueron juzgadas como un peligro de destrucción de la convivencia, por lo que debían ser apaciguadas para el bien de la ciudadanía. El Estado debía inhibirse para evitar cualquier conflicto, sin tener presente que así como no hay instituciones sin ciudadanos que las sustenten, tampoco hay ciudadanía sin conciencia ni conflicto.

Esa denegación del Estado y sus distintos administradores, ha conllevado un discurso cuyo núcleo es la equiparación y unificación de valores, y para ello ha recurrido a la institucionalización de un nuevo sujeto, la víctima. Más que una persona (una biografía, un proyecto), el sujeto-víctima constituye un lugar de encuentro con el que el Estado genera el espacio de consenso moral sustentado en el sufrimiento impuesto; por ese camino el sujeto-víctima deviene una institución moral y jurídica que actúa como tótem nacional. Un espacio que reúne a todos, desde el principio de que todos los muertos, torturados u ofendidos son iguales. Algo que resulta tan indiscutible empíricamente como inútil y desconcertante a efectos de comprensión histórica, al disipar la causa y el contexto que produjo el daño al ciudadano. Ese aprovechamiento del sujeto-víctima genera un espacio en el que se disuelven todas las fronteras éticas, estableciendo un vacío que el Estado ha colmado con una memoria administrativa derivada de la ideología de la reconciliación, que nada tiene que ver con la reconciliación como proyecto político.

Un proyecto político es algo que surge del conflicto histórico y de la necesidad de resolverlo del modo más satisfactorio para todos aunque no contente a todos, por lo que requiere discusión, negociación, acuerdo relativo y una decisión mayoritariamente compartida. El proyecto político de la reconciliación tiene, siempre, su expresión práctica y emblemática en el Parlamento y la Constitución. Ambas instituciones expresan los grados de reconciliación logrados durante la transición a la democracia y tras ella, pero en ningún caso esas instituciones sustituyen a la sociedad y las memorias que la sociedad contiene.

En cambio, una ideología -por ejemplo la de la reconciliación-, lejos de asentarse en la realidad pretende crear la realidad, o a lo sumo evitarla. Es un instrumento de asimilación, su vocación es devorar cualquier elemento antagónico y expandir las certezas absolutas en que se sostiene. La ideología no tiene capacidad de diálogo porque no nace para eso, y la memoria por ella creada, la memoria administrativa o buena memoria, tampoco, porque es una memoria deliberadamente única, sustitutiva.

Además, la ideología de la reconciliación y el consenso requiere espacios simbólicos de reproducción y difusión propia. Uno de los efectos de esa necesidad es que a menudo ha implementado la dramatización figurativa -sorprendentemente llamada también museificación- de espacios relativos a la memoria, en muchos casos vinculados a grandes negocios de la industria cultural o turística, a su vez relacionada con intereses locales. Ha creado ritos, simbologías y arquitecturas, escenarios y textos. Ha creado un nuevo tipo de museo en el que la colección no está constituida necesariamente por objetos, sino por ideas. Son museos ecuménicos.

Con esa expresión me refiero al escenario de múltiples formatos en el que es asumida y representada la igualdad de todas las confesiones (opciones, ideas, éticas, políticas...) con el resultado de constituir un espacio altamente autoritario, pues lejos de presentar la pluralidad de memorias, las diluye en el relato de un éxito colectivo -la reconciliación, que ha dejado de ser un proyecto político para convertirse en un mero discurso ideológico- y que es presentado como la única memoria posible, la buena memoria.

El museo ecuménico (un edificio, un espacio, una exposición, un texto en un panel, una placa de homenaje...) es un área de disolución de memorias y conflictos en la que a través del uso ahistórico de la víctima, la impunidad equitativa ofrece su propia expresión simbólica. Hay ejemplos estupendos en toda Europa -en Verdún, en Bonn, en Budapest-. Es lo que sucede con los espacios de la batalla del Ebro, un contundente ejemplo del ecumenismo simple a propósito de una guerra escenificada como técnica de enfrentamiento, no como prolongación de relaciones sociales y políticas. O lo que sucede con numerosos monumentos franquistas que, presentes aún en muchas ciudades, han sido mutados por las autoridades locales generando curiosos palimpsestos para la posteridad: por ejemplo -solo uno- en la ciudad de Valls (Tarragona), donde el Consistorio instaló en el monumento a la Victoria una placa con versos del poeta Salvador Espriu que invocan la comprensión y tolerancia, bajo un irreductible y amenazante ángel de los de 1939 alzando su espada de guardián de algo, y a su vez protegido, unos metros más arriba, por una enorme, siniestra e inevitable cruz de piedra. Disolución de memorias en espacios y formas diversas. Museos ecuménicos.