terça-feira, 21 de agosto de 2007

J. S. B.

Não são poucos - na verdade, muitos, quase todos - os músicos que se sentem não somente inspirados, na verdade, tomados pela música do "velho cabeleira". De Beethoven ouvimos um trocadilho - "Nicht Bach - Meer sollte er heissen" (Não um Riacho (Bach), e sim mar (Meer)); e de Rossini uma comparação no mínimo perturbadora: "Bach: um gênio esmagador. Se Beethoven é um milagre da humanidade, Bach é um milagre de Deus!". Até tônico fortificante para dar cabo do dia que se inicia é comparado: "Pela manhã, para começar o dia, preciso de Bach mais que de comida e água. E tem de ser Bach. Preciso de perfeição e alegria" (Pablo Casals). Até mesmo o filósofo da bigorna "retorna" ao evangelho pelas mãos de Bach: "Durante esta semana ouvi três vezes a Paixão Segundo São Mateus do divino Bach e a cada vez com o mesmo sentimento de infinita admiração. Quem desaprendeu totalmente a cristandade tem a chance de ouvi-la aqui como um evangelho" (Nietszche).

Contudo, é pela voz de Manoel de Barros que Bach se nos torna mais imprescindível:

"Ontem passou por aqui um meu ancestral, que
solfejava Bach:
"Fique conosco, Senhor, que a noite chega".
Ele cantava assim nas estradas mais sujas.
E aquelas borboletas sobre uns ramos de
tomilho cantavam com ele."
(In: Concerto a céu aberto para solos de ave)

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Marechal de Campo - Modest Mussorgsky

Modest Mussorgsky nos chega no Brasil geralmente por duas de suas obras mais conhecidas: Quadros de Uma Exposição e Uma Noite em Monte Calvo. Contudo, são pouco conhecidas as suas Canções e Danças da Morte, composta por 4 lieder compostas no modo da música sacra eslava, na qual se destaca, sem dúvida nenhuma, o Marechal de Campo, cuja letra segue abaixo. A obra é composta ainda pelos lieder Canção de Embalar, Serenata e Trepak (Canção Russa).


Marechal de Campo

A batalha irrompe, as espadas estão flamejantes,
Como bestas esfomeadas, os canhões bramem;
Os cavalos relincham, os esquadrões galopam,
A corrente corre carmesim, tingida de sangue coagulado.
O sol ardente do meio dia vê a carnificina
E ainda ao pôr do sol o combate persiste.
Os últimos raios desaparecem, ainda inflexível
O inimigo mantém uma obstinada fronte.
Então cai a noite sobre o massacre,
E ao crepúsculo todos dispersam.

O silêncio reina e só a escuridão ouve
Os gritos dos feridos dirigidos ao Céu.
Olhem, ali, onde se projetam lívidos os raios da Lua,
Escarranchado num cavalo pálido,

Cavalga um guerreiro lívido e terrível, cujo nome
É a morte. Ali na escuridão,

Ele ouve as suas lamentosas queixas:
Examina o horrível campo com orgulho,
Move-se como um líder triunfante

sobre o cenário de glória e dor.

Depois sobe um outeiro,

Olha fixamente, à volta dele, para os mortos e
moribundos inflexivelmente sorrindo...
E então sobre o agitado campo de massacre
Ressoa ríspida e clara a sua voz:

“Cessem o combate agora! A vitória é minha!
Vós guerreiros, todos, é à Morte que cederam!
Inimigos durante a vida, eu venho fazer de vós amigos!
Levantai-vos, respondei à chamada da Morte!
Entrai nas minhas fileiras! Desfilai perante o vosso líder!
Antes do alvorecer eu devo passar revista aos meus homens.
Soldados, os vossos ossos repousarão no seio da terra,
Doce é o descanso que se segue ao combate!
Os anos passarão por vós não contados, despercebidos,
Os homens esquecerão a causa por que hoje vos batestes.
Só eu, a Morte, recordarei o vosso valor,
E honrarei a vossa memória quando a meia-noite bater!
Sobre estas trincheiras eu dançarei ao luar,
Eu pisarei a terra onde os vossos membros descansam,
Pisarei tão perto que os vossos ossos nunca mais se moverão,
Nunca mais regressareis à terra".

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Fuga da Morte - Paul Celan

A biografia de Heidegger escrita por Rüdiger Safranski (trad. Lya Luft, Geração Editorial), leva o título Heidegger: um mestre na Alemanha entre o bem e o mal, cuja fonte é o poema de Paul Celan que segue abaixo, na tradução para o português feita por Modesto Carone:

Leite negro da madrugada nós o bebemos de noite
nós o bebemos ao meio-dia e de manhã nós o bebemos de noite
nós o bebemos bebemos
cavamos um túmulo nos ares lá não se jaz apertado
Um homem mora na casa bole com cobras escreve
escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
escreve e se planta diante da casa e as estrelas faíscam ele assobia para os seus mastins
assobia para os seus judeus manda cavar um túmulo na terra
ordena-nos agora toquem para dançar

Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos de manhã e ao meio-dia nós te bebemos de noite
nós bebemos bebemos
Um homem mora na casa bole com cobras escreve
escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
Teu cabelo de cinzas Sulamita cavamos um túmulo nos ares lá não se jaz apertado
Ele brada cravem mais fundo na terra vocês aí cantem e toquem
agarra a arma na cinta brande-a seus olhos são azuis
cravem mais fundo as enxadas vocês aí continuem tocando para dançar

Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos ao meio-dia e de manhã nós te bebemos de noite
nós bebemos bebemos
um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
teu cabelo de cinzas Sulamita ele bole com cobras
Ele brada toquem a morte mais doce a morte é um dos mestres da Alemanha
ele brada toquem mais fundo os violinos aí vocês sobem como fumaça no ar
aí vocês têm um túmulo nas nuvens lá não se jaz apertado

Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos ao meio-dia a morte é um dos mestres da Alemanha
nós te bebemos de noite e de manhã nós bebemos bebemos
a morte é um dos mestres da Alemanha seu olho é azul
acerta-te com uma bala de chumbo acerta-te em cheio
um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
ele atiça seus mastins sobre nós e sonha a morte é um dos mestres da Alemanha
teu cabelo de ouro Margarete
teu cabelo de cinzas Sulamita